Um aluno chinês
Essa história nos traz a realidade de algumas escolas das grandes cidades brasileiras, que recebem alunos imigrantes. Quais desafios que os professores e alunos dessas escolas enfrentam? Como lidar com esse fenômeno recente?
HISTÓRIASOUTRAS
Olívia Alves
8/1/20243 min ler
Uma vez, eu tive um aluno chamado Lee. Um nome curto, simples, que carregava em si uma história diferente. Ele chegou à minha sala de aula no meio do ano letivo, um menino gordinho, com cara de bonachão e um sorriso tímido. Sua família havia se mudado da China há poucos meses, e o português era praticamente um idioma alienígena para ele.
Eu era nova na escola e, confesso, não estava preparada para lidar com um aluno imigrante. A Filosofia, por si só, já é uma disciplina que exige um domínio profundo da língua para que se possa compreender seus conceitos abstratos. Como seria possível transmitir ideias como o conhecimento de si ou a ética para alguém que mal conseguia se comunicar em português?
No começo, as aulas eram um desafio constante. Lee se comunicava mais por gestos do que por palavras. Tentei usar recursos visuais, como imagens e vídeos, mas a barreira linguística era grande demais. Muitas vezes, sentia-me frustrada e impotente. O mais engraçado é que ele se virava para brincar com os colegas. Entre crianças, estava tudo certo.
A cada aula, Lee se esforçava ao máximo para entender o que eu estava ensinando. Ele prestava muita atenção aos conteúdos, mesmo que ele não conseguisse expressar suas próprias ideias de forma clara.
Com o passar do tempo, fui adaptando minhas aulas para atender às necessidades de Lee. Comecei a usar mais exemplos do cotidiano, a relacionar os conceitos filosóficos com a cultura chinesa e a incentivá-lo a participar das discussões, mesmo que fosse apenas com gestos.
Para minha surpresa, Lee não apenas compreendia o que eu estava ensinando, como também era capaz de fazer conexões profundas entre os diferentes temas. Ele tinha uma vontade enorme de fazer parte de tudo e entender o máximo possível.
Ao final do ano, quando chegou a hora de fazer a avaliação, fiquei dividida. Por um lado, sabia que Lee havia aprendido muito e que tinha um potencial incrível. Por outro, ele ainda tinha muitas dificuldades com a língua portuguesa.
Na reunião de conselho de classe, a maioria dos professores defendia a reprovação de Lee. Argumentavam que ele não havia atingido os objetivos da disciplina e que seria prejudicial para ele continuar em uma série para a qual não estava preparado.
Senti um aperto no coração. Eu sabia que eles tinham boas intenções, mas não concordava com aquela decisão. Para mim, a escola deveria ser um lugar de inclusão e de oportunidades, e não um espaço onde os alunos são julgados e rotulados.
Levantei a mão e expressei minha opinião. Disse que, apesar das dificuldades, Lee havia demonstrado um grande progresso e que, com mais tempo e apoio, ele seria capaz de superar qualquer obstáculo. Sugeri que ele fizesse um exame de recuperação, onde pudesse demonstrar tudo o que havia aprendido ao longo do ano.
Minha proposta foi recebida com surpresa e foi recusada. Filosofia não é uma disciplina prestigiada na escola, tem pouca carga horária e eu acabava de chegar. Minha opinião não valia quase nada.
Aquela experiência me fez questionar o papel da avaliação na educação. Qual é o real objetivo de avaliar um aluno? É punir aqueles que não alcançam os resultados esperados ou é dar-lhes mais uma chance para que tenham o direito de aprender?
Acredito que a educação deve ser inclusiva e que todos os alunos, independentemente de suas origens ou dificuldades, merecem a oportunidade de aprender e crescer. A história de Lee me mostrou que muita coisa precisa mudar na escola. Principalmente nos conceitos básicos, como a avaliação.