Os espólios de uma tragédia
Essa é parte de uma história de uma colega que trabalhava próxima à creche que sofreu o massacre de Blumenau, onde 4 crianças, infelizmente, faleceram. A repercussão desse episódio fez muitas escolas mudarem seus esquemas de segurança e muitos pais se sentiram inseguros com as escolas. Porém, pouco foi dito sobre como os professores se sentiram após isso.
HISTÓRIASDESTAQUES
Olívia Alves
8/10/20243 min ler
Nunca mais a sala de aula foi a mesma. As risadas infantis que antes ecoavam pelos corredores agora pareciam um eco distante, abafado por um silêncio pesado e carregado de medo. O massacre de Blumenau, a minha cidade natal, que ceifou a vida de quatro inocentes, havia deixado uma marca indelével em minha alma e, consequentemente, em minha profissão.
Eu era professora de educação infantil, um trabalho que sempre me proporcionou alegria e um profundo sentido de realização. As crianças sempre foram minha fonte de inspiração, a razão pela qual eu me levantava todos os dias. Mas, após o massacre, a ideia de entrar em uma sala de aula e me cercar de crianças pequenas me causava um medo irracional.
A cada notícia, a cada imagem que via na televisão, uma nova onda de angústia me tomava. Como alguém poderia tirar a vida de crianças indefesas? O que havia de errado com o mundo? Eu me questionava incansavelmente sobre o porquê de tais atrocidades acontecerem, sobre o que levava alguém a cometer um ato tão cruel.
A imagem das crianças brincando, rindo, me assombrava. Eram imagens que antes me enchiam de esperança, mas agora me provocavam um nó na garganta. Eu tentava encontrar respostas, mas a única coisa que encontrava era um vazio imenso.
Comecei a ter pesadelos recorrentes. Sonhava com a creche, com os corpos das crianças, com o desespero dos pais. Acordava suada e com o coração acelerado, sentindo um medo que eu nunca havia experimentado antes.
A cada dia que passava, a vontade de voltar a dar aula diminuía. Eu não conseguia mais separar a minha vida pessoal da profissional. A tragédia de Blumenau havia se tornado parte de mim, uma sombra que me acompanhava para onde eu fosse.
Comecei a questionar o sentido da minha profissão. Qual o sentido de ensinar, de educar, se o mundo estava tão cheio de ódio e violência? Será que eu estava preparando aquelas crianças para um futuro incerto, um futuro marcado pela dor e pelo sofrimento?
A verdade é que eu não tinha respostas para essas perguntas. A única certeza que eu tinha era de que a educação infantil não era mais a mesma. A inocência das crianças havia sido violada, e a confiança dos pais havia sido abalada.
A jornada para a cura foi longa e difícil. Procurei ajuda profissional, conversei com colegas e amigos, e tentei encontrar um novo propósito. Com o tempo, comecei a entender que eu não estava sozinha nessa luta. Muitas pessoas estavam sofrendo com a mesma dor, com o mesmo medo.
Decidi que não poderia deixar que a tragédia me definisse. Eu precisava encontrar uma forma de transformar essa dor em algo positivo, de honrar a memória daquelas crianças. Comecei a me envolver em projetos sociais, a trabalhar com crianças em situação de vulnerabilidade, na esperança de fazer a diferença.
A sala de aula ainda me assusta, mas eu sei que um dia voltarei a ela. Não será a mesma sala de aula de antes, mas será um lugar onde eu poderei compartilhar a minha história, onde poderei ajudar outras crianças a crescerem em um mundo mais justo e mais humano.
A tragédia de Blumenau foi um marco em minha vida, um marco que me transformou para sempre. E embora a dor ainda esteja presente, eu sei que a esperança também existe. A esperança de um futuro melhor, um futuro onde as crianças possam crescer em um ambiente seguro e protegido.