O Gigante Gentil

Muitas vezes alguns colegas não entendem porque é necessário usar responsável ao invés de usar pais e mães nos recados que passamos aos nossos alunos. A história desse colega é interessante porque nos traz um exemplo real de como essa falta de cuidado na linguagem pode ser realmente impactante em alguns casos.

HISTÓRIASOUTRAS

Olívia Alves

9/22/20242 min ler

Antes de virar professor, consegui passar num concurso de uma prefeitura para virar educador social. Como educador social, fui trabalhar em um abrigo de crianças e adolescentes protegidos pela justiça, onde me deparei com histórias de vida que me marcaram profundamente. Mas uma história me tocou demais.

José era um menino de cinco anos, bem grande para a sua idade, com um jeito engraçado de ser e um sorriso que contrastava com a tristeza que carregava dentro de si. Ele era o alvo constante das brincadeiras dos outros meninos, que o usavam como saco de pancada. A ausência da mãe, viciada em crack, era uma ferida aberta em seu coração.

Um dia, José voltou da escola visivelmente abalado. Chorava inconsolavelmente, dizendo que não queria mais ir para lá. Ao perguntar o motivo de tanto sofrimento, ele me contou que a professora havia o repreendido por se recusar a levar um recado para sua mãe. A professora, sem saber da complexidade da situação de José, o acusou de mentir e o fez se sentir ainda mais isolado e incompreendido.

José me explicou que a última vez que havia visto sua mãe havia sido há muito tempo e que a ideia de entregar um recado para ela, sabendo que talvez só a veria no domingo, era insuportável. A ausência materna era uma dor constante em sua vida, e a professora, ao invés de acolhê-lo, havia aumentado seu sofrimento.

Aquela conversa com José me fez refletir profundamente sobre o papel da escola na vida das crianças. A escola não é apenas um lugar de aprendizado, mas também um espaço de acolhimento e cuidado. E quando se trata de crianças que vivem em situações de risco, como as que estavam no abrigo, esse papel se torna ainda mais importante.

A experiência com José me ensinou uma lição valiosa: a importância de usar uma linguagem cuidadosa e respeitosa ao lidar com crianças em situação de vulnerabilidade. Ao invés de usar termos como "pai" e "mãe" em bilhetes e chamados, é mais adequado usar termos como "responsável" ou "cuidador". Essa simples mudança pode fazer toda a diferença na vida de uma criança que já sofre com a ausência de uma figura parental.

A história de José me acompanha até hoje. Ela me lembra da importância de olhar além das aparências e de buscar compreender a complexidade da vida de cada criança. E me inspira a continuar trabalhando para construir um mundo mais justo e igualitário para todos.