Está cada vez mais difícil ensinar História

O que fazer quando os pais querem dizer o que você deve ensinar? Essa é uma situação muito comum que vários colegas presenciam no seu cotidiano. Isso desprestigia a nossa profissão e faz os alunos perderem a confiança nosso trabalho. O caso que apresentamos aqui é baseado na história de um colega que tentou lecionar a história da escravidão no Brasil. Confira conosco.

HISTÓRIASDESTAQUES

Olívia Alves

9/13/20242 min ler

A sala de aula era um microcosmo da sociedade, com suas nuances e contradições. Ao iniciar o módulo sobre a escravidão, eu, um professor de História em uma escola particular, tinha a esperança de promover uma reflexão profunda sobre um dos capítulos mais sombrios da nossa história. No entanto, a avaliação diagnóstica me mostrou uma realidade muito mais complexa do que eu imaginava.

Meus alunos, em sua maioria brancos, carregavam consigo um conjunto de preconceitos arraigados. As ideias de que pessoas negras eram mais propensas à violência, à pobreza e à desordem eram expressas com naturalidade, como se fossem verdades absolutas. A raiz desses preconceitos era profunda, alimentada por um discurso histórico eurocêntrico e por estereótipos perpetuados pela mídia.

Decidi que era preciso ir além da mera transmissão de informações. Organizei debates, atividades em grupo e mostrei documentários que abordavam a escravidão sob diferentes perspectivas. Procurei desconstruir os mitos e estereótipos, evidenciando o racismo estrutural que perdura até os dias de hoje.

Para minha surpresa, a avaliação final revelou uma mudança significativa na percepção dos alunos. Muitos deles passaram a reconhecer os efeitos do racismo na sociedade brasileira, defendendo a importância de políticas afirmativas como as cotas. Aquele grupo de jovens, antes tão convencido de suas próprias verdades, demonstrava agora uma maior sensibilidade e empatia.

No entanto, a minha alegria foi rapidamente substituída pela preocupação. Pais desses alunos, alarmados com a mudança de opinião de seus filhos, me acusaram de doutrinação. A direção da escola, pressionada por essas famílias, também questionou minhas práticas pedagógicas. Alguns colegas professores, por sua vez, concordaram com os pais e também deixaram no ar que eu errei em dar tanta importância para esse tema.

A acusação de doutrinação me deixou perplexo. Eu nunca tive a intenção de impor minhas ideias aos alunos. Meu objetivo era apenas estimular o pensamento crítico e promover o debate aberto sobre temas complexos, apresentando dados científicos. Mas, em um contexto social marcado pela polarização e pela intolerância, qualquer tentativa de abordar questões relacionadas à raça e à desigualdade social é vista com desconfiança.

A experiência me mostrou que ensinar história, especialmente a história da escravidão, é uma tarefa árdua e delicada. É preciso encontrar um equilíbrio entre a necessidade de confrontar os preconceitos e a importância de respeitar as diferentes opiniões. Mas como fazer isso sem ser acusado de doutrinar?

Até hoje, ainda tenho essa pergunta na minha mente. Será que o problema está na forma como eu abordei o tema? Será que fui muito incisivo? Ou será que a sociedade simplesmente não está preparada para lidar com a verdade sobre o nosso passado?